O Guardião das Ribeiras

Teresa Dias

Na parte meridional do Maciço Ibérico, onde os montes ondulam como ondas petrificadas e o silêncio se entranha nas pedras, ergue-se Alcoutim — uma vila discreta, mas antiga como os segredos da terra.

Ali, entre pendentes acentuadas e vales escondidos, vive-se ao ritmo do Guadiana, o rio que separa, mas também une, dois povos ibéricos.

Diz-se que, há muitos séculos, quando os montes rochosos de pirite e xisto, ainda sussurravam histórias aos viajantes, existia um guardião.
Chamava-se Pedro, um velho pastor que conhecia cada ribeira como se fossem veias do seu próprio corpo.

O Vascão, os Cadavais, a Foupana e a ribeira de Odeleite — todas lhe falavam, em murmúrios de água, quando corriam livres na primavera.

Mas os tempos mudaram. As chuvas tornaram-se raras, mesmo as concentradas desde sempre entre outubro e abril, e os verões traziam um calor abrasador, com temperaturas que ultrapassavam os 35 graus.

As ribeiras secavam, e com elas, parecia secar também a memória da terra.

Pedro, já velho e esquecido, continuava a caminhar pelos trilhos, mesmo quando o chão rachava sob os seus pés.

Um dia, ao entardecer, ouviu um som vindo da ribeira do Vascão — não água, mas um lamento.

Seguiu-o, e encontrou uma pedra antiga, coberta de musgo, onde estava gravado um símbolo que nunca tinha visto.

Ao tocar na pedra, o céu escureceu por instantes, e uma brisa fresca percorreu os montes.

As ribeiras, por um breve momento, voltaram a correr.

Pedro compreendeu então que a terra não estava esquecida — apenas adormecida, à espera de quem a escutasse.

Desde esse dia, dizem os habitantes de Alcoutim que, nas noites mais quentes de verão, quando tudo parece seco e imóvel, ouve-se um murmúrio vindo dos vales.

É Pedro, o guardião, que ainda caminha entre os montes da serra deste interior do Algarve, lembrando à terra que há sempre esperança, mesmo nos tempos de maior sequia.

Teresa Dias