Des Aventuras no Contrabando

Nádia Cera

Há alguns anos atrás, mais precisamente em 1938, na Vila de Alcoutim viviam homens iguais a tantos outros do nosso país. Homens de família, de trabalho e que também gostavam de aproveitar o tempo conversando e distraindo com os seus amigos.

Homens que trabalhavam de sol a sol para trazerem o sustento para as suas famílias: mulheres, filhos, pais e mães com mais idade e doentes.

`Ti Canhoto e `Ti Lacinho eram dois desses homens. Homens do campo, de trabalho pesado, mas que, para além disso, tinham uma característica especial…Eram contrabandistas!

Nas suas passagens entre Portugal e Espanha levavam e traziam produtos de tamanha importância para as gentes dos dois países. Um a nado seguia, carregando o peso às costas e outro a pé por caminhos muito pouco iluminados e nada desbravados.

`Ti Canhoto, que tinha um ombro mais baixo do que outro por causa das cargas que carregava, costumava levar às costas ovos e presunto para em Espanha negociar. Diziam do `Ti que: “Não havia quem o apanhasse.” Para Portugal vinha bombazina, seda, cravos para as ferraduras dos animais, mas cuidado com os carabineiros que se vissem os contrabandistas, estes ficavam sem a carga e presos poderiam ir.

Já `Ti Lacinho era especialista em saber qual o melhor sítio por onde passar sem ser descoberto. De Espanha trazia a nado sacos de 5kg de chumbo para as espingardas…”Era mais barato!” – diziam os Alcoutenejos.

Quando o viam a nadar, os Espanhóis, uns diziam: “Atirem-lhe que é Português!”, mas outros não.

Tantos momentos viveram enquanto contrabandistas…momentos de tensão e sobressalto ou momentos de convívio com tantos outros contrabandistas. Por vezes, em alguns locais, juntavam-se mais de quarenta ou cinquenta…isso sim, era um verdadeiro convívio.

`Ti Canhoto e `Ti Lacinho lá iam no seu contrabando. Um dia igual a tantos outros quando por terra e rio apareceram carabineiros querendo os impedir de continuar os seus trajetos até Portugal. Como era possível?!

Os informadores, que sempre sabiam quando se podia passar ou não entre os dois países, tinham dito que poderiam passar nesse dia calmamente, mas não. Se tivessem sabido, teriam ficado abrigados nalgum local ou casa até poderem fazer a travessia.

Alguém havia informado os carabineiros espanhóis de que alguns portugueses iriam até Espanha levar e trazer mantimentos. Quem poderia ter sido?? Não era possível estar a acontecer! `Ti Canhoto e `Ti Lacinho ficaram nervosos e sem saber como reagir, mas tinham a certeza que entregarem-se seria a última hipótese.

Nesse instante, os carabineiros olharam olhos nos olhos dos contrabandistas, tentando perceber, o que ia nos seus pensamentos, mesmo afastados e em lugares distintos. Os olhos brilhavam como estrelas cadentes.

Não sabiam os contrabandistas que quem os tinha denunciado eram guardas portugueses pertencentes à Guarda Fiscal – que tinham o dever de cumprir, mesmo sofrendo, de olhar vigilante, atento e cuidadoso sob o lema “Pela Lei E pela Pátria” – e que tinham amigos em Espanha. O objetivo seria terminar com o contrabando de uma vez por todas.

`Ti Canhoto e `Ti Lacinho só pensavam nos amigos e conhecidos que tinham sido apanhados durante a passagem e o que lhes tinha acontecido. Ficarem sem carga e irem presos, alguns deles quatro ou mais anos. Sabiam que para ganharem “o pão” tinham aceitado uma vida de incertezas, medo e perseguição, noites sem dormir entre matos e barrancos, de sofrimento junto ao rio por necessidade.

Mesmo a sua vida não sendo só como contrabandistas, esta opção que tomaram ajudava as suas famílias e eles queriam continuar até conseguirem.

O olhar penetrante um no outro continuava. Sentia-se a tensão no ar pesado como se fosse a maior carga de sempre carregada pelos nossos contrabandistas.

Mesmo longe um do outro, a decisão foi a mesma: tentarem fugir. Podiam ser apanhados na mesma, mas tinham de tentar porque pior seria irem para a prisão, deixarem de ajudar as suas famílias e ficarem longe de tudo e de todos sem terem cometido nenhum crime.

De um momento para outro, fizeram acreditar os carabineiros de que algo de estranho se passava e “ZAS-TRAS”…FUGIRAM!

`Ti Canhoto correu o mais que podia e `Ti Lacinho nadou…nadou muito. Estavam muito cansados, mas não podiam desistir. Os carabineiros ainda tentaram alcançá-los, mas foram perdendo o ritmo e deixaram-nos escapar.

Cansados e desgastados pararam quando sentiram que poderiam estar em segurança. Sempre desconfiados e com medo. As cargas tiveram de ficar para trás, mas eles tinham escapado. Iriam conseguir não serem apanhados e, um dia, voltar a Espanha trazendo mais géneros.

Chegados a casa contaram o que se tinha passado. Ainda com medo, mas mais calmos. Sabiam que iam recordar esta história para sempre. Eram momentos que muito custavam, mas que eram necessários.

Apesar das aventuras e desventuras vividas por `Ti Canhoto, `Ti Lacinho e todos os outros contrabandistas, o mais importante era que com o pouco se vivia e se era feliz. Havia cantigas e danças, pondo para trás das costas o pior que a vida poderia destinar a estas pessoas.

E assim, se vivia o dia-a-dia na Vila de Alcoutim entre histórias de contrabandistas, trabalhos, cantigas, convívios, bailes de roda, momentos difíceis e outros felizes…

Nádia Cera

Notas:

O conto é baseado em fatos reais que decorreram no concelho de Alcoutim, na época dos Contrabandistas. São memórias locais, momentos que acontecerem.

Os nomes dos Contrabandistas do conto não são verdadeiros. São inspirados na recolha de informação feita para a escrita deste conto.